O tempo da colheita
- rpitoscia
- 31 de ago.
- 3 min de leitura
Atualizado: 31 de ago.

“Carlos aprendeu a cuidar da vida como se cuida da terra: com paciência, coragem e fé na transformação.”
Ele está com 50 anos e por mais de 35 usou drogas, mas agora sabe extrair da terra não apenas o alimento, mas também lições para a vida. Durante seu tempo na Casa do Senhor Jesus, era ele quem cuidava da horta da clínica de recuperação. A terra o ajudou a reencontrar o equilíbrio e cultivar a paciência. Depois da alta, foi trabalhar como jardineiro no maior parque e um dos mais belos da cidade de Jundiaí. Todos os dias, lida com as cores e formas da natureza, vendo a beleza se renovar, como ele mesmo fez. Adora o que faz.
Carlos iniciou o uso de álcool muito cedo, influenciado pela figura do pai. Tinha apenas 13 ou 14 anos quando começou a beber e fumar. “Eu via meu pai fazendo aquilo e fui experimentando, sem saber que podia se tornar um vício incurável”, relembra. Mesmo assim, tentou seguir a vida: se casou, teve filhas, netos. Mas a bebida foi destruindo tudo aos poucos. Depois de 29 anos de casamento, veio a separação. Não havia mais apego. A dependência tinha tomado conta.
Buscou ajuda pela primeira vez na Casa do Senhor Jesus. Ficou um ano internado, mas admite que não levou o tratamento a sério. Recaídas e promessas não cumpridas marcaram esse período. "Recaí, escorreguei nas cascas de banana. E isso é muito dolorido."
Na segunda internação, sua postura mudou. Passou 14 meses em tratamento e, dessa vez, se entregou de verdade. Aprendeu que é preciso rigor consigo mesmo, aceitar a doença e agir com consciência. “A gente tem que se gostar, deixar tudo para trás quando entra pelo portão da clínica. Deus me capacitou”, diz. Em setembro de 2025, completa dois anos de sobriedade.
Carlos guarda com gratidão o apoio que recebeu durante o tratamento. Ele fala com carinho dos psicólogos, voluntários e companheiros da Casa que acreditaram na sua recuperação mesmo quando ele ainda não acreditava. “As palestras, os ensinamentos, o acolhimento… aquilo tudo ficou comigo. Eles fizeram a diferença. Guardo todos como padrinhos de caminhada. Não quero decepcioná-los.”
Carlos vive agora com sobriedade e consciência. Vai à igreja, frequenta o AA, convida a namorada para um cinema, divide uma pizza, participa da vida. E não esquece o que viveu. “Vi amigos morrerem por causa da droga. Virando os olhos, espumando. Eu bebi por 35 anos. E não são 35 dias.”
O que mais o marcou nessa jornada foi entender que a mudança é para si mesmo, não para agradar ninguém. "A gente tem que mostrar para nós mesmos que somos capazes. Admitir a dependência é o primeiro passo."
Carlos reconhece que, para ele, álcool e cigarro sempre estiveram ligados. "Se eu fumo, quero beber. Se bebo, quero fumar." Hoje, mora sozinho, sem ninguém vigiando. Mas ele mesmo se vigia. “Eu quero andar sóbrio. Quero ter o prazer de comer bem, tomar um suco, uma água, um café. Me dá prazer ter controle da minha vida, controle emocional, controle de tudo. Saber o que vou fazer, onde vou, como vou me comportar. Hoje, tenho consciência das minhas escolhas."
Seu recado é claro: "Evite o primeiro gole. Evite a primeira cheirada. Porque depois, o caminho é muito mais duro. Mas se já caiu, saiba que é possível levantar. Basta não desistir."
Carlos renunciou ao homem velho. E, com a calma de quem aprendeu a plantar e colher, segue cultivando a nova vida, um dia de cada vez.


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