top of page

A vida nos trilhos

  • gilideiavisual
  • 31 de ago.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 31 de ago.


ree

João Eduardo conduzia trens, com pontualidade e responsabilidade, mas não percebeu quando sua própria vida começou a sair dos trilhos.


“Se você não admitir que precisa de ajuda, sozinho não vai conseguir.”


Esse é o recado direto de um homem de 62 anos, que viveu 27 anos na dependência química. Ele começou a usar drogas aos 33 anos, depois de uma separação. Na época, se envolveu com uma pessoa que usava cocaína. No início, não sentia vontade, mas a curiosidade e a convivência o levaram a experimentar — e aí começou uma longa jornada de perdas, recaídas, mudanças e sobrevivência.


O uso começou esporadicamente, em festas ou fins de semana. Mas, aos poucos, virou rotina. Ele se afastou da companheira, mas não das drogas, porque passou a se cercar de outros usuários. Tinha um bom salário como maquinista da ferrovia, e isso o transformou em alvo fácil de outros usuários. “Eu bancava, eles não saíam do meu pé”, conta. O consumo aumentou porque a droga não surtia o mesmo efeito. Passou da cocaína para o crack. “A pior escolha da minha vida.”


Antes das drogas, ele levava uma vida cheia de movimento e alegria. Sempre foi apaixonado por música, frequentava shows em diversas cidades e não perdia um grande evento. Já tinha assistido ao Queen, Madonna, Duran Duran, participou do Hollywood Rock e esteve no Rock in Rio em 1985, no Morumbi. Gostava de sair, estar com amigos, e esse lado entusiasmado, cheio de vida, é também parte de quem ele é. A dependência chegou depois, e por muito tempo abafou essa essência. Mas não apagou.


Mesmo com emprego fixo, a droga começou a afetar tudo. Parava o carro na estação de Jundiaí, dava a primeira fumada antes do expediente — e não conseguia mais entrar. As faltas, os atestados forjados, a rotina descontrolada o levaram a deixar o trabalho. A vida se desfez aos poucos.


Houve um acidente, em 2022, em que ele quebrou a perna. Foi agredido por outros usuários que queriam lhe roubar. A mãe dele havia falecido poucos dias antes, e ao invés de frear, ele acelerou o uso. Até que uma vizinha, missionária, e sua irmã, ofereceram ajuda. Ele aceitou. Foi internado na Casa do Senhor Jesus, em Campo Limpo Paulista, em 15 de agosto de 2023, e desde então não voltou a usar drogas. Completou dois anos limpo em agosto deste ano.


“Hoje eu moro perto de uma biqueira. Passo por lá todo dia. Cumprimento as pessoas. E não sinto vontade nenhuma”. Ele vai à missa aos domingos, cuida da casa, mexe com ferramentas, cozinha, produz queijo e até sorvete. “Nunca tive problema com álcool, mas evito. Uma coisa puxa a outra.”

A internação recente não foi a única. Aos 35 anos, ele já havia passado por uma clínica por orientação dentro do próprio trabalho na CPTM. Ficou seis meses internado e passou três anos limpo. Recaída. Más companhias. Foi a primeira, e adeus. Agora, ele diz, é diferente: “Na clínica eu vi como a droga transforma as pessoas. Vi gente que matou, que se vendeu, que roubou. Vi de perto como aquilo destrói.”


As reuniões e o apoio ajudaram a ressignificar a experiência. “Ter alguém ao seu lado que te guia muda tudo. Hoje eu entendo o que me fazia mal. Não foi prazer, foi engano. Só me levou para a fossa. Nem pro poço foi, porque no poço ainda tem água.”


A mensagem que ele deixa para quem ainda está usando é clara e forte: “Admita. Você precisa admitir que precisa de ajuda. Porque sozinho não dá. Você vai pensar que está sendo perseguido, vai desconfiar de tudo e todos. É a droga falando, não você.”


Ele tem falado com os filhos e netos que moram em Belo Horizonte, sonha em reencontrá-los em breve. Passa o tempo com ferramentas, fazendo o que gosta. Está reconstruindo a vida. Um passo por vez. E firme na convicção de que o pior já passou e afirma: “Hoje, se eu cair de novo, será por burrice. Porque agora eu sei.”


“Não importa se eu tiver que pisar em espinhos. Eu vou desviar do caminho errado. E seguir firme no caminho certo. Porque eu escolhi viver.”

 
 
 

Posts Relacionados

Comentários


bottom of page